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sábado, 27 de junho de 2009

O controlo sobre Morte

Uma das explicações para a existência de rituais Post Mortem está relacionada com a necessidade humana de exercer alguma espécie de controlo sobre a morte.
A escolha aparentemente arbitrária que a morte faz da sua vítima é, desde longa data, uma problemática com a qual as sociedades se têm debatido ao longo da história e nas várias culturas. A morte é a incógnita – não sabemos o que é que existe para além da vida, se é que existe alguma coisa, mas sobretudo não podemos prever com nenhuma certeza o «onde», o «quando» ou o «como» da sua chegada. O facto de a vida poder ser apagada sem aviso e sem consideração pela situação da pessoa enche o coração humano de medo. É por esta razão que as pessoas têm procurado a todo o custo exercer domínio sobre a natureza aleatória da morte.
Assim, nas sociedades tradicionais, o controlo da mortalidade tem sido experimentado em grande medida através da religião e dos rituais populares; as tentativas modernas, por outro lado, baseiam-se sobretudo nos mecanismos da ciência. A ciência médica procura prolongar os limites da existência física e deter a morte, com uma correspondente diminuição de taxonomias fatais. O conhecimento médico e as técnicas práticas aspiram ao domínio da nossa existência terrena. Este processo, iniciado no século XIX, transforma gradualmente o discurso sobre a morte num discurso sobre a doença, associando-se-lhe a mitologia popular que acredita que todas as doenças podem ser, ou eventualmente serão, curadas. A noção de «salvar a vida» adquire erroneamente um valor de permanência.
Sob os auspícios da salvação da vida e da redução do sofrimento, a ciência médica desenvolveu técnicas e medicamentos que reduzem drasticamente quer a incidência da mortalidade, quer grande parte da dor física e emocional que a acompanha, Consequentemente, as nações industrializadas avançadas estão livres de todas as formas de doenças fatais, tais como a tuberculose, a cólera a varíola, e esperam pacientemente que mais tarde ou mais cedo seja encontrada uma cura para os males que ainda persistem.
Embora este avanço seja reconhecido por muitos como a possibilidade de se alcançar uma qualidade de vida mais saudável e mais afortunada, também tem os seus críticos, que afirmam frequentemente que a ciência ultrapassou os seus limites e que está agora a interferir nas leis da natureza e a penetrar num domínio que é tradicionalmente do foro de Deus. Outros críticos da ciência salientam que, quando se tenta prolongar a vida, alguns doentes dos hospitais vêem as suas vidas prolongadas de um modo desnecessário e, por vezes, doloroso.
Os esforços que se promovem modernamente para controlar a morte não envolvem simplesmente a tentativa de prolongar a vida. De igual modo importante é a capacidade que as nações poderosas têm de pôr termo à existência. Por exemplo, nas guerras modernas, em que, tendo caracterizado o conflito como justo e acreditando que têm o direito ao uso de uma arma mortífera, cada uma das partes ataca o seu alvo como forma de atingir os objectivos da guerra, Neste contexto, o poder do conhecimento científico é usado para causar a morte, se bem que, como alguns defendem, com a intenção de salvar vidas no futuro.
Esta exegese tem implicações tem implicações importantes para a relação moderna entre o controlo do poder e o controlo da morte. De acordo com a formulação de Marcuse (1969), as pessoas não são livres enquanto não forem capazes de controlar a morte. A morte é a fronteira além da qual não conseguimos chegar, e, portanto, a vida tem de ser mantida a todo o custo. Noutras eras e nas culturas tradicionais, o sobrenatural tem sido invocado como capaz de influenciar a natureza, a frequência e as vítimas da morte. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, o papel cada vez menos importante do cristianismo no fornecimento de um enquadramento ou na atribuição de sentido a esta experiência parece ser directamente proporcional à crescente influência da ciência. Por outras palavras, as pessoas sempre desejaram exercer controlo sobre a morte. Historicamente, este controlo tentava realizar-se através da crença religiosa. Hoje, nas sociedades modernas a ciência e a tecnologia estão a substituir a fé como meio de controlo da mortalidade.

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