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sexta-feira, 3 de maio de 2013

Saber viver o Luto


Foi há 20 anos que José Eduardo Rebelo perdeu praticamente tudo, de uma só vez. Um acidente de viação levou-lhe a mulher grávida e as duas filhas, uma com sete anos e a outra com 1. Foi como se um alçapão de abrisse debaixo dos seus pés. Ficou perdido. E passou por todas as fases do luto. «Primeiro há uma defesa absoluta, que nos permite continuar a viver. Agimos automaticamente como se não fosse nada connosco. Recebemos as pessoas, em alguns casos até as confortamos, tratamos do que é preciso, fazemos o funeral. Depois, quando todos se vão embora, é que começa uma longa caminhada de consciencialização da perda».
No seu caso, foi mesmo longa. Levou 10 anos. Nesse tempo, andou como que numa montanha russa de emoções: «São emoções profundas e desconexas. Medo, angústia, desespero, agonia. Raiva contra tudo e contra todos, raiva contra mim próprio, raiva contra os que perdi. Tudo isso é vivido e entra em grandes conflitos. É uma grande desordem porque não há lucidez para coordenar ideias e sentimentos».
Foi ao fim dessa década atormentada que José Eduardo Rebelo, biólogo e professor na universidade de Aveiro,
decidiu arrumar-se por dentro. Eez um mestrado em Psicologia do Luto, criou a Associação Apelo (uma associação de pessoas em luto) e, mais tarde, a SPEIL (Sociedade Portuguesa de Estudo e Intervenção no Luto), o Espaço do Luto e o OLP (Observatório do Luto em Portugal): «Foi uma estratégia para resolver o meu próprio luto. Porque não há dúvida de que a melhor forma de nos ajudarmos a nós próprios é investirmos nos outros. Na verdade, quando perdi a minha família, seriti-me muito sozinho. Não havia estudos sobre o luto, era um tema tabu. A morte é, provavelmente, o último tabu civilizacio-nal do Ocidente. E eu era um espetro. Qualquer pessoa olhava para mim e afastava-se porque eu representava tudo aquilo de que queria fugir: o homem que tinha perdido os filhos. De maneira que quis ajudar os outros -ajudando-me a mim - a não estarem tão sós na sua dor».
José Eduardo Rebelo, 57 anos, organizou ainda formações de conselheiros do luto (já com 34 espalhadas pelo país). E escreveu três livros sobre esta temática: «Desatar o nó do luto: Silêncios, receios e tabus», «Amor, luto e solidão», e o mais recente, «Defilhar: Como viver a perda de um filho».
Tornou-se um especialista no assunto, pioneiro numa matéria rodeada de silêncio e incompreensão. E, apesar de conhecer a fundo o luto que se prende com a morte, reforça a ideia de que o luto é mais do que isso: «O luto é perda dos que nos são queridos. E, por isso, pode ser divórcio, pode ser emigração, rapto, encarceramento. Mas também pode ser perda de expectativas: um feto abortado, o nascimento de uma criança com deficiência física ou mental. Ou então dano ao amor-próprio, como é o caso de uma amputação, pôr exemplo. E há ainda o luto pela desvalorização social e profissional, que é algo que vemos muito neste momento no nosso país».
José Eduardo Rebelo é um lutador. Alguém que em determinado período da vida perdeu quase tudo e que soube reerguer-se, desbravando caminhos que estavam vedados. A sua dor está lá e vai continuar até ao fim. Só que agora já é possível viver com ela.

In: JN, Jornal de Noticias


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