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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), particularmente nas suas formas mais graves, causa elevado grau de sofrimento psíquico e compromete a acção psicossocial do paciente, muitas vezes comparável ao da esquizofrenia. Este transtorno responde aos tratamentos habituais (medicamentos e psicoterapia) em cerca de 60 a 80% dos casos. O início do efeito terapêutico dos medicamentos indicados (antidepressivos) varia de duas a quatro semanas e, após a melhoria, deve-se manter a medicação por pelo menos por um ano, algumas vezes por vários anos e, não é raro, para sempre. A suspensão precoce do tratamento tende a ser seguida de recaídas.
Respondem aos medicamentos (antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina) 60 a 70% dos pacientes, 60 a 80% melhoram com a terapia comportamental-cognitiva junto com o uso de medicamentos. Assim sendo, 40% dos pacientes com TOC não responde satisfatoriamente ao tratamento medicamentoso e/ou psicoterápico, resultando em grave prejuízo psicossocial. 
Há estudos sobre a aplicação da neurocirurgia em casos de TOC resistente aos tratamentos habituais. As intervenções neurológicas incluem técnicas reversíveis e irreversíveis. Esses procedimentos interferem nos circuitos neurológicos provavelmente envolvidos no TOC, porém, esses tratamentos são recomendados apenas para pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais e estão incapacitados pelo seu transtorno.
Nestas situações, a neurocirurgia pode ser indicada. Existem cinco técnicas cirúrgicas disponíveis, com as seguintes taxas de melhora global pós-operatório:

 1.    Capsulotomia anterior (melhora entre 38 e 100%, dependendo do estudo);

 2.    Cingulotomia anterior (entre 27 e 57%);
 3.    Tractotomia subcaudado (entre 33 e 67%);
 4.    Leucotomia límbica (entre 61 e 69%) e;
 5.    Talamotomia central lateral com palidotomia anteromedial (em torno de 62%).
 

A capsulotomia anterior pode ser realizada através de diferentes técnicas: neurocirurgia padrão, radiocirurgia ou estimulação cerebral profunda. Na neurocirurgia padrão, circuitos neurais são interrompidos por radiofreqüência via trepanação no crânio. Na radiocirurgia, uma lesão actínica é induzida sem a necessidade de abertura do crânio. A estimulação cerebral profunda consiste na implantação de eletrodos ativados a partir de estimuladores.
A literatura indica taxas relativamente baixas de eventos adversos e complicações, sendo raramente descritas alterações neuropsicológicas e de personalidade. Cumpre ressaltar, no entanto, a falta de ensaios clínicos standarizados que comprovem a eficácia e investiguem os eventos adversos ou complicações dos procedimentos cirúrgicos acima mencionados. 
Concluindo, há um recente aprimoramento das neurocirurgias dos transtornos psiquiátricos graves no sentido de torná-las cada vez mais eficazes e seguras. Estas cirurgias, quando adequadamente indicadas, podem trazer alívio substancial ao sofrimento de pacientes com TOC grave.
Nas décadas de 40 e 50, diante da falta de alternativas para o tratamento psiquiátrico aconteceram as primeiras neurocirurgias para o tratamento mental. A chamada leucotomia pré-frontal era a principal técnica neurocirúrgica na época, tendo como um dos pioneiros o português Egas Moniz. Entretanto, as sequelas dessas cirurgias eram muito freqüentes e consistiam de alterações de personalidade e as chamadas disfunções do lobo frontal, que consiste em um quadro de apatia e desinteresse muito significativo.  
Com o advento dos medicamentos psicotrópicos o emprego dessas psicocirurgias foi sendo abandonado. Em 1947 desenvolveram-se as primeiras neurocirurgias chamadas estereotáxicas. A estereotaxia (latin: stereo, tridimensional; taxis, arranjo) é uma técnica de neurocirurgia que permite a localização e o acesso preciso de estruturas intracranianas através de apenas um pequeno orifício no crânio. Com isso reduziu-se consideravelmente as complicações pós-operatórias.
Algumas técnicas de cirurgia estereotáxica são a cingulotomia anterior, a capsulotomia, a tractotomia subcaudado e a leucotomia límbica.  Posteriormente conseguiu-se produzir lesões de capsulotomia focalizando feixes de raios gama emitidos pelo isótopo radioativo Cobalto-60 sobre a cápsula interna. Atualmente várias novas técnicas cirúrgicas e bombardeamento de radiações têm sido criadas.
Assim, com a expressiva diminuição das conseqüências danosas das primeiras intervenções cirúrgicas no cérebro, nas últimas duas décadas do século XX o tratamento de transtornos mentais, particularmente do TOC, voltou a se valer das neurocirurgias. 
Enfatiza-se o TOC devido ao grande número de pacientes que não respondem às várias alternativas de tratamento tradicional e os recentes aprimoramentos técnicos como a radiocirurgia chamada de “Gamma-Knife”, evitam a necessidade da abertura do crânio, ou mesmo a estimulação cerebral profunda, que pode ser reversível, trouxeram uma perspectiva bastante otimista no tratamento desse transtorno.

Indicação
Os princípios critérios para seleção de pacientes candidatos ao tratamento cirúrgico para o TOC começam pelo consentimento informado e documentado pelo paciente.  Há um processo multidisciplinar (psiquiátrico, psicológico, neurológico) para cada caso assegurando o diagnóstico exato, a gravidade suficiente da doença, as eventuais contra-indicações e a constatação exaustiva de tratamentos tradicionais anteriores já tentados sem sucesso. 

Com tudo isso, o tratamento neurocirúrgico do TOC não deve ser considerado como substituto do tratamento psiquiátrico-psicológico tradicionais. E mesmo havendo viabilidade para o tratamento neurocirúrgico, haverá necessidade de acompanhamento psiquiátrico-psicológico pós-operatório.
Para indicação da neurocirurgia no TOC é importante que este seja o transtorno principal a ser tratado e que ele esteja presente na vida do paciente por, pelo menos, cinco anos. Em seguida, que tenha havido uso de pelo menos três antidepressivos em doses máximas preconizadas e toleradas pelo paciente por, no mínimo, 12 semanas. 
Esses medicamentos previamente usados devem, necessariamente, ser a clomipramina (anafranil®, clo®) junto com dois produtos de efeito potencializador, que podem ser outros antidepressivos, neurolépticos e um ansiolítico potente, tipo clonazepam (rivotril®, clonotril®). Também se exige que o paciente tenha passado por, no mínimo, 20 horas de terapia comportamental- cognitiva. Com tudo isso, é necessário que a melhora dos sintomas seja inferior a 25% (existe uma escala para avaliação dessa melhora chamada escala Yale-Brown ou Y-BOCS).
Os critérios de impedimento para a intervenção neurocirúrgica variam entre os vários serviços. Geralmente não pode haver doenças neurológicas pré-existentes ou concomitante, como por exemplo, o retardo mental, bem como eventuais transtornos de personalidade.
O grande salto da neurologia nessa área foi depois do advento da neuroimagem funcional cerebral. Vários estudos com tomografia por emissão de pósitrons e tomografia por emissão de fóton único (PET, SPECT) mostram que, em estado de repouso, os portadores de TOC apresentam aumento de atividade metabólica em algumas áreas cerebrais. 
Estudos recentes de neuroimagem funcional, imagem cerebral e neurocirurgia vêm revelando a possibilidade do córtex orbital frontal estar relacionado à fisiopatologia do TOC. Também estão relacionadas ao TOC outras regiões do cérebro, como o giro do cíngulo e o núcleo caudado. Estudos em laboratório também mostraram que a ativação dessas mesmas áreas produzia sintomas de TOC. Observou-se ainda normalização da atividade metabólica nessas regiões após terapia medicamentosa e/ou comportamental-cognitiva em pacientes que responderam a esses tratamentos.
A partir disso, acredita-se que os circuitos neurais interligando áreas corticais (giros órbito-frontais, giro do cíngulo), gânglios da base (núcleo caudado, principalmente) e tálamo médio-dorsal sejam importantes na fisiopatológica do TOC. Assim as técnicas cirúrgicas para esse transtorno devem objetivar a secção (interrupção) seletiva de um ou mais pontos das vias que interligam tais estruturas.

 Base de Funcionamento
A cingulotomia, por sua vez, consta da introdução de electrodos bilateralmente, mediante a estereotaxia, na porção anterior de uma estrutura chamada giro do cíngulo, produzindo assim lesões térmicas por radiofreqüência nessa área. A capsulotomia anterior, por sua vez, consiste na lesão estereotáxica bilateral de partes da cápsula interna, seccionando-se fibras que interligam o tálamo médio-dorsal aos giros órbitofrontais e giro do cíngulo anterior. 
  A estrutura cerebral chamada cápsula interna pode ser lesada (capsulotomia) através de três técnicas; neurocirurgia convencional com termolesão por radiofreqüência, radiocirurgia estereotáxica por raios gama (“Gamma-Knife”) ou neurocirurgia com estimulação cerebral profunda.

Eventos adversos e complicações
Os dados referidos aqui são do trabalho de António Carlos Lopes e outros, ressaltando que as actuais técnicas estereotáxicas resultam em complicações menos graves do que as primeiras psiconeurocirurgias.  Dentre seqüelas neurológicas mais freqüentes estão os ataques epilépticos no pós-operatório. Felizmente a maioria deles foi de convulsões isoladas, que geralmente, não exigiram o uso contínuo de anticonvulsivantes.Houve descrições de casos eventuais de hemorragia intracerebral na cingulotomia e na capsulotomia, ambas por neurocirurgia tradicional. Outras manifestações neurológicas “menores” foram de delirium pós-operatório. Houve também casos isolados de estado eufórico no pós-operatório.
 Os problemas clínicos mais comuns foram alterações transitórias no controle de esfíncteres depois da cingulotomia, aumento de peso e cansaço. Com relação à radiocirurgia (capsulotomia), a complicação mais comum foi o edema cuja manifestação clínica era dor de cabeça. Por não ter abertura do crânio várias complicações próprias da atividade cirúrgica são evitadas, tais como hemorragia intracerebral, infecções. Suicídios ocorreram em 1,1% dos pacientes submetidos operados para capsulotomia e em 3,2% dos pacientes operados para leucotomia límbica dos casos operados. Um caso, entre 382, submetido à tractotomia subcaudado, faleceu em decorrência de complicações da própria neurocirurgia.Aspectos e alterações de personalidade Os trabalhos publicados indicam que técnicas estereotáxicas só em poucos casos induzem a déficits cognitivos relativamente pequenos, comprometendo a memória, concentração, ou diminuição do desempenho lógico.
Algumas destas alterações não se mantêm em longo prazo.

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